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O Caçador e a Sombra da Floresta

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O sol já havia desaparecido atrás das montanhas quando Elias, um caçador solitário e calejado pelo tempo, decidiu adentrar a mata.


Sua bolsa estava quase vazia e, naquela noite, precisava de alimento. Conhecia bem os trilhos da floresta: cada galho partido, cada

pegada deixada pelos animais. Para ele, caçar era quase um ritual.

Com o arco em mãos e os olhos atentos, seguiu silenciosamente entre as árvores. Por horas, apenas o som distante de corujas e o farfalhar do vento o acompanhavam. Até que algo estranho aconteceu: o silêncio ficou denso, quase pesado, como se toda a floresta tivesse prendido a respiração.


Elias parou. À sua frente, marcas enormes no solo – garras profundas arranhando a terra. Nunca tinha visto algo assim. Seguiu o rastro, movido pela curiosidade e pelo instinto de caçador. Quanto mais avançava, mais sentia uma presença. Não era um animal comum.

De repente, ouviu um estalo. Virou-se rápido e, entre as sombras, dois olhos brilhantes o encaravam. Não eram olhos de cervo, nem de lobo. Eram maiores, de um amarelo intenso, refletindo a pouca luz da lua. O corpo da criatura permanecia escondido, mas Elias sabia que estava sendo observado.


O coração do caçador disparou. Ele ergueu o arco, mas uma estranha sensação o impediu de disparar. A criatura avançou lentamente para a luz. Tinha a forma de um animal, mas deformado: pernas longas demais, dentes afiados como lâminas, e uma pele que parecia pulsar, como se respirasse sozinha.


Elias deu um passo para trás, mas tropeçou em um tronco caído. A criatura não atacou. Apenas soltou um som baixo, gutural, que fez o caçador estremecer. Então, num salto, desapareceu entre as árvores, deixando apenas o rastro e o eco do seu grunhido.

Naquela noite, Elias voltou para casa sem caça, mas com algo muito mais pesado: a certeza de que a floresta escondia segredos que o homem não deveria enfrentar. Desde então, cada vez que tentava dormir, ouvia o som daquela respiração na escuridão.

E ele sabia... mais cedo ou mais tarde, cruzaria de novo com aquilo que havia encontrado.

Nos dias seguintes ao encontro, Elias não conseguiu se livrar da sensação de estar sendo seguido. Toda vez que pisava na mata, a mesma pressão no ar o cercava. Os animais pareciam ter desaparecido, como se temessem algo maior. O silêncio da floresta o perseguia mais do que qualquer fera.


Cansado de fugir da própria mente, ele decidiu encarar o mistério. Preparou suas armas, afiou a lâmina de caça e levou consigo um punhado de ervas que seu avô dizia afastar maus espíritos. Naquela noite, Elias entrou na mata não como caçador, mas como alguém em busca de respostas.

Seguiu as marcas antigas que ainda cortavam o solo. O rastro o levou até um vale escondido, onde árvores retorcidas se erguiam como guardiãs de um segredo proibido. No centro, uma clareira iluminada pela lua. E lá estava ela: a criatura.

Agora, Elias podia vê-la por inteiro. Seu corpo era uma mistura de lobo e homem, coberto por veias que brilhavam em tom azulado. Nos olhos, não havia apenas fome – havia dor, como se fosse uma alma aprisionada.

O caçador ergueu o arco, mas hesitou. Algo dentro dele dizia que matar aquela criatura não seria o fim, mas o início de uma maldição. A fera avançou, rosnando, e Elias preparou-se para disparar. Mas, em vez de atacar, o monstro parou a poucos passos dele, encarando-o profundamente.

Foi então que Elias ouviu, não com os ouvidos, mas dentro da mente, uma voz rouca:


"Eu era como você... caçador. A floresta me tomou, e agora a mesma sombra quer você."

O choque fez Elias soltar o arco. Ele entendeu: aquela coisa não era apenas um monstro, mas o espírito de um homem transformado pelo poder obscuro da mata. Um destino que agora tentava se repetir com ele.

Com a última coragem que tinha, Elias jogou as ervas no chão e acendeu fogo. O cheiro forte se espalhou, e a criatura gritou em agonia. Suas veias azuis brilharam ainda mais até explodirem em uma luz intensa. O grito ecoou por todo o vale, e, de repente, a sombra desapareceu, como se tivesse sido sugada pela própria terra.

Elias caiu de joelhos, exausto, respirando com dificuldade. A floresta voltou a cantar – os grilos, as corujas, até o vento parecia mais leve. Ele havia sobrevivido.

Mas não saiu ileso. A partir daquele dia, sempre que entrava na mata, percebia os olhos da criatura em seus sonhos, como se uma parte dela tivesse ficado dentro dele. Elias nunca contou a ninguém o que aconteceu. Só sabia de uma coisa:


a floresta não perdoa aqueles que tentam desvendar todos os seus segredos.

E assim, o caçador que partiu em busca de alimento voltou com algo muito mais sombrio: a certeza de que algumas caças não devem ser perseguidas.

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